A mais de 180 km de Belém, a cidade de Tomé-Açu carrega uma história marcada por dor, resistência e inovação. Considerada a terceira maior colônia de japoneses do Brasil, o município se tornou símbolo da fusão entre saberes orientais e amazônicos, onde tofu e pimenta-do-reino se misturam a açaí, cacau e dendê.
A chegada dos primeiros imigrantes
O fluxo migratório de japoneses para a região começou em 1929, como parte de um plano do governo brasileiro para ocupar o interior do país. Vindos de um Japão em crise política e social, os imigrantes se depararam com a floresta amazônica, descrita por muitos como um “inferno verde”. A malária foi um dos principais obstáculos, levando dezenas de vidas e até transformando uma escola recém-criada em hospital de emergência em 1932.
Para enfrentar a fome e organizar a vida coletiva, os colonos fundaram, em 1931, a Cooperativa do Acará, que oferecia desde serviços médicos até a comercialização de hortaliças enviadas para Belém. A estrutura funcionava como um verdadeiro Estado paralelo, garantindo regras, abastecimento e organização social.
O auge e a repressão
A virada econômica começou em 1933, com a introdução da pimenta-do-reino. O “diamante negro” logo ganhou espaço no mercado nacional e internacional. Porém, o sonho foi interrompido pela Segunda Guerra Mundial. Com o Brasil se aliando aos Estados Unidos e aos Aliados em 1942, comunidades japonesas passaram a sofrer perseguição.
Em Tomé-Açu, o vilarejo se transformou em um campo de concentração. Famílias tiveram casas queimadas, livros em japonês enterrados para não serem destruídos e moradores presos sob a acusação de serem “hostis”. A circulação de embarcações foi proibida, isolando ainda mais a comunidade, que já vivia em condições precárias.
A vigilância só terminou após o fim da guerra, mas sem qualquer apoio do Estado. Foi a própria comunidade que, a partir da década de 1950, retomou a produção agrícola. Em 1956, a cooperativa — agora chamada Camta (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu) — conquistou autorização para exportar a pimenta-do-reino, garantindo melhores condições de vida aos agricultores.
Crises e reinvenção
A prosperidade durou até os anos 1970, quando um fungo devastador e uma grande enchente arruinaram os cultivos. Muitas famílias faliram, e a comunidade precisou se reinventar. Com apoio do governo japonês, a Camta diversificou a produção, introduzindo novos cultivos como cacau, dendê e andiroba.
Foi nesse contexto que nasceu o Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu (Safta), modelo que integra diferentes espécies agrícolas e florestais em um mesmo território. Inspirado nos quintais produtivos dos ribeirinhos, o sistema se tornou referência mundial em agricultura sustentável. Hoje, são mais de 200 combinações de plantio em áreas que produzem açaí, cacau, pimenta-do-reino, dendê e andiroba em harmonia com a floresta.
Reconhecimento e futuro
Atualmente, metade dos cooperados da Camta já não é descendente de japoneses, mas a herança cultural permanece forte. A cooperativa exporta para países como Japão, China e Índia e é parceira de projetos com instituições como a Embrapa e empresas privadas, a exemplo da Natura.
Em 2024, um capítulo importante da memória da comunidade foi reconhecido. A Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, aprovou o reconhecimento oficial da perseguição sofrida por imigrantes japoneses e seus descendentes durante a Segunda Guerra Mundial. Para o governo federal, a decisão reafirma a relevância da contribuição dessa comunidade para a formação do Brasil contemporâneo.
De um passado de perseguição e fome, Tomé-Açu renasceu como exemplo de inovação e resiliência, mostrando que da união de culturas pode florescer um futuro mais sustentável.