Ouvido pela CPMI do INSS nesta segunda-feira (29), o presidente da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), Carlos Roberto Ferreira Lopes, negou participação em fraudes no desconto de aposentados, mas declarou não conhecer os detalhes de operações de pessoas e empresas em torno da Conafer que são investigadas por irregularidades.
Oito requerimentos para ouvir Carlos Roberto Ferreira Lopes foram aprovados na CPMI em 25 de setembro, mas ele apresentou-se espontaneamente ao colegiado para prestar esclarecimentos sobre os descontos de mensalidades de aposentados.
Lopes destacou a contribuição da Conafer para a agricultura familiar,salientando que não se trata de uma “fachada”. Eleafirmou que as investigações levaram a entidade a um “lockdownjurídico e financeiro”
—[Bloquearam]100% das nossas atividades, sejam elas institucionais ou financeiras, colocando mais de 1,2 mil funcionários sem serviço, 2.950 municípios sem atendimento, deixando a esperança esperando, os resultados sem ações, os sonhos sem objetivos.
Eleadmitiu não achar normal as 71 mil reclamações de descontos não autorizados, mastambém garantiu que a Conafer restituiu todos os inativos que “porventura reclamaram da prestação do serviço”.
Investigação
Ao relator da CPMI, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), Lopesafirmou que a Conafer pediu termo de cooperação técnica com o INSS entre 2011 e 2012, que, depois de período de análise, foi deferido em 2017. Ele acrescentou que, até 2025, a confederação reuniu 620 mil associados inativos inscritos em descontos,apurando “em torno de R$ 500 milhões a R$ 600 milhões” nessas operações.
— Eu vou lhe corrigir: a CGU [Controladoria-Geral da União] colocou mais de R$ 800 milhões de desconto associativo — contestou Gaspar.
Gaspar também lembrou que em 2020, quando foram suspensos os descontos associativos, a Conafer deveria repassar ao INSS uma amostra de 100 fichas e aposentados e pensionistas. Segundo Lopes,apesar da rapidez como que a Conafer captou descontos,foi impossível atender ao pedido prontamente.
— Osenhor, com milhões de associados que tinha na sua contabilidade, o senhor, com uma empresa dessa, próspera, ficou impossibilitado de fornecer 100 fichas.(…)Diante de milhares de fichas?
— Eu acho que todos aqui relembram os tempos negros e de trevas da pandemia. Seria impossibilitada a comunicação, translado e ninguém queria colocar ninguém em risco —respondeu o depoente. —Foi muito mais fácil usar a demanda represada para essas instituições e aplicar ao INSS do que buscar cem específicos termos de adesão no Brasil inteiro.
Transferências
Lopes admitiu proximidade comCícero Marcelino de Souza Santos,mas disse não saber que Cíceroera o dono daSantos Agroindustria Atacadista e Varejista,empresa que Lopes identificou como fornecedora de insumos para a Conafer e que — conforme destacou Gaspar — teria recebido R$ 100 milhões da confederação. Além disso, Lopes e Cícero foram apontados como sócios na TB Holding Financeira, o que o depoente também admitiu,ressalvando não saber do conjunto de empresas da família de Cícero.
Ao senador Izalci Lucas (PL-DF), Lopes negou operações financeiras entre o Terra Bank,fintechvinculada à holding, e a Conafer.
—Oúnico propósito[do Terra Bank]era realmente modernizar a arrecadação, através da bancarização, fornecendo a bancarização e o financiamento de melhoramento genético através de embriões.
Lopes admitiu que ThamiresMaia de Oliveira, funcionária da tesouraria da Conafer, é esposa de seu cunhado, Vinícius Ramos da Cruz, presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT). O instituto foi identificado por Lopes como “braço de execução” de várias entidades, incluindo a Conafer.
Aviões
O depoente identificou Silas Vaz, secretário da Amazônia Legal da Conafer, como “trabalhador indígena” que conhece há 15 anos, mas não soube dizer qual é o salário de Silas na confederação.
—Silas Vaz, saiu na reportagem, é um morador da periferia de Brasília. Quero parabenizar que ele adquiriu duas aeronaves do ITT, e ele se transformou em laranja sem nem saber —disse o relator.
Gaspar salientou que um dos aviões tinha sido do deputado Euclydes Pettersen (MG) e citou entrevista em que Lopes teria identificado Pettersen como “padrinho político” da Conafer. O depoente disse não se lembrar da entrevista, mas elogiou a atuação do deputado em apoio à agricultura familiar. Segundo Gaspar, Pettersen também é responsável pelo envio de 2,5 milhões para o ITT.
— Cícero Marcelino, seu sócio, recebeu R$ 100 milhões da Conafer. A sra. Ingrid, esposa dele, tem uma agropecuária. Essa agropecuária concorreu, junto com a sua esposa [Bruna Braz de Souza Santos Lopes], de fachada, e botou a mão em R$ 2 milhões de uma emenda parlamentar desse deputado — insistiu Gaspar.
Movimentações
Carlos Roberto Ferreira Lopes também rejeitou as acusações de Gaspar de movimentação financeira incompatível com seus bens declarados — segundo o relator, o depoente movimentou R$ 1,76 milhão em dois meses, tendo um patrimônio de R$ 60 mil e uma renda mensal incompatível com a quantia. Em seu ponto de vista, o cálculo “não confere”.
— Polícia Federal, CGU e Receita Federal fizeram essa afirmação —reiterou Gaspar.
Ovice-presidente do colegiado, deputado Duarte Jr. (PSB-MA), citou relatório de inteligência financeira (RIF) gerado com base na quebra do sigilo da Conafer e de Lopes, apontando transferências para empresas não relacionadas com os objetivos da confederação, e novamente questionou os valores de movimentação financeira. Lopes invocou seu direito constitucional de manter-se em silêncio.
Descontos
Lopes também disse desconhecer a prática, denunciada por Gaspar, de “ressuscitar mortos” para assinatura de descontos associativos. Por sua vez, Gaspar citou auditoria da CGU que analisou uma amostra das autorizações de descontos da Conafer e 100% delas eram irregulares.
— Em 2021, a Conafer fez o milagre de ressuscitar 87 mortos para desconto associativo. Em 2022, o milagre da ressurreição caiu para 61. Em 2023, o milagre explodiu, 2.083 ressuscitados. Em 2024, 1.135, dados da CGU — disse Gaspar.
Em suas conclusões, Alfredo Gaspar viu em Carlos Roberto Ferreira Lopes “outro Maurício Camisotti”.
—Pelas mãos da Conafer, passaram mais de R$ 800 milhões. Aqui nós descobrimos(…)queR$140 milhões foram direcionados diretamente para o assessor dele, Cícero Marcelino. Se isso não for lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e formação de organização criminosa, é melhor fechar a CPMI.
Contag e Conafer
O senador Marcio Bittar (PL-AC) perguntou se a Conafer teria sido incentivada pela Força Sindical, dividindo espaço com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), e buscou vínculo entre essas confederações com partidos de esquerda. Lopes negou a associação.
— Como presidente dessa instituição, tive relações com todos os grupos ideológicos deste país, porque tem agricultores familiares que são de direita, e a gente deve atender; tem uns que são de centro, e a gente deve atender, tem uns que são de esquerda, e a gente deve atender. (…) A política pública não vê a legenda do partido.
Bittar reiterou a suspeita, lembrando que o fim do imposto sindical obrigatório fez várias entidades migrarem para o “esquema criminoso” dos descontos.
— O DNA do roubo dos aposentados é o mesmo DNA do mensalão, é o mesmo DNA do petrolão. São pessoas, entidades, sindicatos, partidos políticos que não medem consequências para dotar os seus exércitos das armas necessárias.
O senador Rogerio Marinho (PL-RN) também associou o fim do imposto sindical às fraudes, mas salientou que a investigação precisa ater-se aos fatos em lugar de buscar responsabilidades de governos de uma ou outra tendência ideológica.
— Nós precisamos fazer o nosso papel de separar o joio do trigo, de entender quem, de fato, fraudou o sistema previdenciário, e o nosso papel aqui, muito mais do que apontar o dedo para A ou para B, é apontar a responsabilidade de quem, de fato, deu causa. E, por enquanto, nós estamos aqui preocupados com a forma, como era o sistema.
Ao senador Sergio Moro (União-PR), Lopes disse que as “transações múltiplas” da Conafer com empresas de familiares foram de natureza “totalmente comercial”. E prometeu fornecer à CPMI informações completas sobre os bens e serviços prestados pelas empresas sob questionamento.
Confira aqui a transmissão da CPMI desta segunda-feira (29).


